quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Como os puritanos realmente eram: breve análise do livro "Santos no Mundo" de Leland Ryken

Nesta obra o autor Leland Ryken nos leva aos séculos XVI e XVII, logo após a Reforma Protestante, com o propósito de estudar a vida dos puritanos ingleses e americanos, onde em três partes, o autor tem como objetivo corrigir a má compreensão que as pessoas têm sobre o que realmente os puritanos defendiam. Segundo, consolidar o pensamento dos puritanos sobre as principais áreas da vida como: família, igreja, trabalho, casamento, educação, política, economia e sociedade. Terceiro, constatando a crise moral terrível dos dias atuais, o autor deseja trazer ao conhecimento dos protestantes evangélicos a sabedoria cristã dos puritanos com esperança de remediar essa situação.
O autor preocupou-se em unir fontes escritas dos puritanos, fazendo muitas citações no livro para que o leitor possa compreender suas intenções e tirar suas próprias conclusões. O autor referiu-se ao puritanismo como um “movimento” como uma religião puritana, como um espírito que os unia uns aos outros.
O autor entende que os puritanos eram exemplos de maturidade, e por isso necessitamos aprender com estes gigantes, através de seus sofrimentos, lutas e experiências dolorosas que os refinaram como homens pacíficos, obedientes e esperançosos. Para eles não havia disjunção entre o sagrado e o secular, pois toda a criação até onde conheciam, era sagrada, e todas as atividades deveriam ser santificadas, ou seja, feitas para glória de Deus.
Para os puritanos a Sagrada Escritura era suprema. Eles meditavam toda a amplitude da verdade bíblica, sua meditação se modelava pelo sermão Puritano. Eles buscavam sondar, desafiar e auto examinar seu coração através das Escrituras, para então confessarem e abandonarem seus pecados, vivendo uma vida renovada em gratidão a Cristo pela sua misericórdia perdoadora.
Para os puritanos ingleses o objetivo máximo da pregação era a vida santa. O propósito da pregação, era julgado não pelo que acontecia na igreja, mas pelo efeito do sermão fora dela. Pregadores puritanos preparavam seus sermões cuidadosamente. Seus sermões eram expositivos, com ensinamentos de uma passagem específica da Bíblia, e uma das características mais atraentes da pregação puritana era sua ênfase na aplicação prática da doutrina à vida. O objetivo da aplicação era conduzir o indivíduo cristão a uma mudança de comportamento onde fosse necessária pelo despertamento da consciência. A aplicação era a vida da pregação. As formas de aplicação eram divididas em sete categorias de ouvintes:

1.      Incrédulos que são tanto ignorantes quanto ineptos...
2.      Alguns são educáveis, embora ignorantes...
3.      Alguns têm conhecimento, mas ainda não estão humildes...
4.      Alguns estão humildes...
5.      Alguns creem...
6.      Alguns decaíram...
7.      Há um povo misturado...

Eles eram unânimes em dizer que a tarefa principal de um pastor era pregar. Eram homens verdadeiramente convertidos, conhecedores de idiomas, cultos, zelosos, santos, e aptos para o ministério. Eles respeitavam mais a vida de um pregador santo do que sua erudição. Um pregador tinha que ser capaz de falar com autoridade moral. Um pastor é acima de tudo alguém que alimenta e cuida de um rebanho. A universidade de Harvard nos Estados Unidos foi fundada por pastores puritanos que se preocupavam com o ministério inculto às igrejas. O poder atingidor da pregação residia não na manipulação da audiência pelo pregador, mas na ação do Espírito Santo. As famílias faziam anotações do sermão para depois falarem sobre ele reunidos em suas casas. Mesmo sendo homens doutos, eles preparavam sermões simples pois visavam atingir toda a sociedade. O propósito do sermão não era excelência estética, mas edificação espiritual. O conteúdo de um sermão era mais importante do que sua forma. A finalidade de um sermão era servir como um meio de graça.
Eram homens de oração seguida de ação, não viviam em ociosidade e preguiça, e jamais deixavam suas responsabilidades para outros fazerem. Sempre pediam a Deus em suas orações que os capacitasse antes de cada batalha, de cada sermão, e também para serem direcionados por Deus em seus negócios, investimentos maiores, casamento e etc.
A ética puritana do casamento não consistia em casar-se com aquela pessoa por quem fosse perdidamente apaixonado no momento, mas a quem pudesse amar continuamente como seu melhor amigo, por toda a vida. A ética puritana de criação de filhos era treinar as crianças no caminho em que deveriam seguir. Eles educavam seus filhos para a vida adulta sóbria, santa e socialmente útil. Para eles os filhos deveriam ser ensinados a trabalhar, ter responsabilidades, para que viessem a tornar membros produtivos da sociedade em suas vidas adultas. Para os puritanos ingleses, a obediência no âmbito da igreja e do Estado dependia da disciplina no lar. A disciplina deveria ser amorosa e adaptada ao temperamento da criança. Eles entendiam pelas Escrituras que os filhos já nascem em pecado e necessitam de redirecionamento, por isso se deixados à vontade, eles irão inclinar-se naturalmente a seguir suas próprias vontades más. A tríplice fundamentação puritana da criação de filhos era a importância do treinamento precoce, a influência tanto do exemplo como do preceito e um equilíbrio entre a restrição e o apoio positivo.

1.      A importância do treinamento precoce: é muito mais fácil educá-los nas boas coisas agora, do que na sua juventude e nos anos mais maduros.
2.      A influência tanto do exemplo como do preceito: “preceito sem padrões farão pouco bem; deve-se levá-los a Cristo tanto pelo exemplo como pelo conselho” (Eleazar Mather). Não pensem que seus filhos se importarão com as boas regras que lhes derem, se vocês mesmos agirem contrariamente àquelas regras.
3.      Equilíbrio entre a restrição e o apoio positivo: a educação eficaz das crianças tem dois lados: um negativo e outro positivo. Os pais precisam reprimir os impulsos em direção ao egoísmo, à desonestidade e ao mesmo tempo construir qualidades amáveis em seus filhos, nutrindo e encorajando seu espírito.

Os puritanos viam a família como uma pequena igreja. A saúde da igreja e da sociedade depende do que acontece na família. A finalidade da família é glorificar a Deus.
Eles viam a educação cristã como responsabilidade dos pais. Os puritanos ingleses e americanos foram grandes empreendedores educacionais em sua época. Muitas escolas foram abertas por autoridades puritanas. O objetivo da educação era primeiro a nutrição e crescimento cristão. Os puritanos tornaram central no currículo o estudo da Bíblia e da doutrina cristã nas escolas que abriram. O objetivo da sala de aula era medir todo o conhecimento humano pelo padrão da verdade bíblica. A finalidade do estudo era reparar as ruínas de nossos primeiros pais, recuperando o correto conhecimento de Deus, e a partir deste conhecimento amá-lo, imitá-lo, e ser como ele. O objetivo da educação, segundo os puritanos, era o foco no relacionamento da pessoa com Deus. A educação não era apenas completar um curso, escrever trabalhos, ou adquirir um diploma, não, muito mais do que o conhecimento adquirido, os puritanos estavam mais interessados no tipo de pessoa em que o aluno estava prestes a se tornar. Na visão dos puritanos a educação influencia as pessoas em suas vidas pessoais e as torna membros produtivos da sociedade. Uma educação completa é aquela que libera a pessoa para realizar “todos os ofícios, tanto privados como públicos”. Ofícios públicos incluíam ser um bom membro de sua igreja e um colaborador positivo da sociedade. Os ofícios particulares incluíam ser um bom amigo, colega, esposo, ou pai.
No aspecto social os puritanos não confiavam em estruturas governamentais para exercer trabalho social, eles entendiam que esse papel deveria ser desempenhado pelo espírito de comunidade. Os puritanos confiavam muito mais na responsabilidade individual do que nas agências governamentais e sociais, pois “de pessoas particulares vêm as famílias” disse Richard Greenham. Eles não depositavam sua fé no Estado, pois a integridade de um sistema não salva ninguém. Eles também se opunham à caridade indiscriminada, ou seja, a ajuda deveria ser dada somente àqueles em genuína necessidade. “Se alguém não quer trabalhar, que não coma” (2 Ts 3:10). Para eles, a caridade indiscriminada era uma ameaça social, pois impedia o pobre de realizar suas responsabilidades e de procurar seriamente um emprego. O plano era colocar essas pessoas para trabalhar e torná-las membros produtivos da sociedade. Para os puritanos esta era a melhor caridade, pois beneficia toda a comunidade, que não sofre de parasitismo e ociosidade. A base teológica desse individualismo era o sacerdócio de todos os crentes. Todos deveriam ser tratados iguais. Eles entendiam que ninguém deveria firmar-se em seu nascimento ilustre, ou gloriar-se em seu parentesco pela nobreza e pelo bom sangue, mas, que em Cristo, o mais pobre lavrador era igual ao maior príncipe. Eles desafiaram o privilégio baseado em posição ou em nascimento e encorajaram um espírito de igualdade. A ação social puritana era principalmente voluntária e pessoal em vez de governamental ou institucional.
O conteúdo deste livro é de extrema relevância para aqueles que estão interessados em aprender sobre a teologia reformada. Muitos daqueles que afirmam ser reformados hoje, vivem de forma contrária a tradição reformada, e por consequência, acabam tendo a mesma má compreensão do modo como os puritanos viveram, desprezando a supremacia da Palavra de Deus como única regra de fé e prática em todas as áreas de nossas vidas. Este livro é altamente recomendado para pastores que desejam aperfeiçoarem seus sermões com excelentes aplicações, para os pais que desejam educar seus filhos numa educação cristã, para os cristãos em geral que desejam glorificar a Deus em seus trabalhos crendo que não existe a disjunção entre o sagrado e o secular, pois todas as atividades devem ser santificadas, ou seja, feitas para glória de Deus.
O autor deixa claro que não teve espaço para “construir pontes” entre a visão puritana e a nossa própria situação, creio que seria de grande importância para nós estas análises entre o puritanismo do século XVI e XVII e os cristãos reformados do século XX e XI, porém, o autor afirma que este livro permanece como um guia para os cristão de hoje, que ao lerem este livro devem permitir que os puritanos tornem-se uma lente através da qual eles possam ver o que significa viver de modo cristão em nossos dias. Fica evidente o distanciamento que temos deles com relação a Deus, sua Palavra e do modo como vivemos hoje, quando olhamos para o modo de vida destes gigantes da fé.
Destaco a humildade do autor, mesmo tendo grande afinidade sobre o modo de viver dos puritanos, incluiu em sua obra um capítulo inteiro com propósito positivo de nos ensinar o que evitar com os erros deles.
Creio que o mais importante nesta obra foi a perspectiva que o autor nos mostrou do modo de viver dos puritanos que visava a glória de Deus em cada área da vida.



REFERENCIAL TEÓRICO:

RYKEN, Leland. Santos no Mundo: Os Puritanos como realmente eram. 2. ed. São José dos Campos: Fiel, 2013.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

A importância da catequização doméstica

A palavra “catecismo” tem origem no grego katecheo, que consiste em duas palavras, kata “descer em direção a, do alto para baixo”, e echeo “soar, ou ecoar”. Katecheo é portanto, “soar em direção a”, falar a alguém com o objetivo de receber algo de volta como um eco. O método catequético de perguntas e respostas transmite a Palavra e sua doutrina para obter o retorno, provar o coração e avaliar a profundidade do conhecimento. Lucas escreveu seu Evangelho “para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído [catequizado]” (Lc 1:4). Apolo era “instruído [catequizado] no caminho do Senhor” (Atos 18:25). Catequização é o mandamento do Espírito, ordenado a Timóteo através de Paulo: “Ordena e ensina estas coisas” (1Tm 4:11). Catequização paterna é uma arte praticamente perdida nos dias de hoje, para grande prejuízo das famílias e da igreja. Este é o motivo da grande ignorância doutrinária na igreja. A “Catequização Doméstica” foi a espinha dorsal da Igreja Reformada em seus primeiros séculos.

Martinho Lutero foi um grande catequizador. Entre 1528 e 1529 ele saiu para visitar as igrejas da Saxônia e descobriu que tanto pastores quanto ovelhas conheciam muito pouco sobre as doutrinas da fé cristã. Ele sugeriu que o primeiro estágio do catecismo deveria ser “aprender e recordar o básico”, ou seja, para ter o conteúdo gravado no coração era preciso repeti-lo até memorizá-lo. O segundo estágio era entender o que havia sido memorizado (respondendo e explicando com as próprias palavras), e o terceiro estágio seria praticar o ensinamento memorizado e entendido no coração (Franklin Ferreira).

Os puritanos eram grandes catequistas. Para eles o sermão de domingo deveria ser reforçado por um ministério pessoal de catequese (instrução das doutrinas das Escrituras pelo uso do catecismo). O alvo do catecismo para os puritanos era explicar os ensinamentos fundamentais da Bíblia, auxiliar os jovens a memorizar a Escritura, aperfeiçoar o entendimento dos sermões e dos sacramentos, ensinar e preparar as crianças da aliança para se defender contra erros e fazer a pública profissão de fé, e por fim, ajudar os pais a ensinar seus filhos.

Discipular é ensinar. Ensinamos todas as palavras transmitidas por Jesus a seus discípulos e todas as palavras da Bíblia. É muito importante o ensino expositivo da Bíblia, alternando livros do Antigo e Novo Testamento. Não há problema em conversar sobre futebol ou sobre a escola dos filhos, mas também é bom falar a respeito do sermão de domingo. (Mark Dever. Discipulado, p.44-45)

Peça aos filhos que tomem nota do sermão, para que ao voltar do culto, cada um possa compartilhar o que aprendeu durante o almoço de domingo, e discutir o conteúdo e a aplicação com a família. No passado, as famílias protestantes faziam das refeições da noite o tempo para breve oração e memorização do catecismo. Crie o hábito de fazer culto doméstico durante os dias da semana (Michael Horton).

OBS: Cuidado com o ensinamento legalista e moralista maquiados de “santidade e humildade” (Cl 2:16-23). Pais legalistas e moralistas criam uma falsa culpa no coração de seus filhos ao elevarem regras feitas pelos homens (proibição de tatuagem, corte de cabelo, brinco, música, bebidas e comidas) ao mesmo nível dos mandamentos de Deus. Esse tradicionalismo morto não tem cura, por isso muitas famílias e igrejas conservadoras são compostas por pessoas amarguradas e tristes por carregarem um peso de uma falsa culpa suscitada por um moralismo e legalismo que não há cura prescrita na Bíblia. A verdadeira culpa só pode ser removida através da confissão e arrependimento do verdadeiro pecado que está prescrito na Bíblia.

Os pais devem apresentar de forma clara o que é Lei de Deus e o que é Lei da Casa para seus filhos. A Lei de Deus são leis orientadas pela Bíblia, que todos os homens estão obrigados a fazer porque Deus ordenou. Alguns exemplos seriam: ame ao Senhor teu Deus de todo coração e ame o teu próximo como a ti mesmo; não minta, não roube, não cobice e etc. Por outro lado, a Lei da Casa são regras derivadas da Bíblia, e devemos obedecê-las enquanto estivermos sob as autoridades estabelecidas por Deus em nossas vidas, neste caso os pais são autoridade na vida dos filhos, e alguns exemplos seriam: ir para cama às 20:30hs, arrumar a cama todas as manhãs, assistir somente uma hora de TV por dia, não namorar antes dos 15 anos e etc.

Quando estas regras não ficam claras, os filhos podem rejeitar o verdadeiro cristianismo, e o mesmo pode acontecer com os membros da congregação. Jesus combateu este mesmo tipo de legalismo com os líderes religiosos do seu tempo. Os escribas e fariseus se apegavam e propagavam regras ao ponto de se tornarem tão legais e obrigatórias quanto as Escrituras. Suas tradições eram feitas por mãos de homens, e eles ensinavam como se fossem obrigatórias como a Lei de Deus. Por não fazerem essa distinção entre regras de homens, dos mandamentos de Deus, eles foram chamados de hipócritas (Mt 15:8,9).


REFERENCIAL TEÓRICO

DEVER, Mark. Discipulado: Como ajudar outras pessoas a seguir Jesus. São Paulo: Vida Nova, 2016, p.44-45.

BEEKE, Joel R. O Evangelho para os Filhos da Aliança. São Paulo: Os Puritanos, [2009], p.53-59.

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