sábado, 20 de junho de 2020

O que há de errado em querer coisas que parecem boas? A idolatria socialmente compartilhada em uma estrutura de plausibilidade


O que torna errado nossos desejos? Primeiramente é preciso aprender a discernir para o que vivemos, e para isso é necessário irmos até a raiz central da existência humana, o coração. A nossa vida, o nosso conhecimento, as nossas atitudes e opiniões são moldadas o tempo todo pelo conjunto de pressupostos que mantemos conscientemente ou inconscientemente e a maior parte do tempo sem que percebamos (pressupostos tácitos). A forma como nós interpretamos e julgamos a realidade através de experiências diárias é chamada de Cosmovisão.

Cosmovisão (Weltanschauung) em seu conceito geral significa concepção de mundo, visão de mundo, percepção de mundo e etc. É um conjunto de pressuposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas, e que nós sustentamos de forma consciente ou não.

A cosmovisão pessoal é constituída e desenvolvida ao longo da vida através de duas dimensões:

  1. Psíquico-Social: depende das experiências adquiridas ao longo da vida e dos relacionamentos sociais, é neste tempo que somos moldados pelos pressupostos que adquirimos ao longo de nossa experiência no mundo
  2. Religiosa central ou espiritual (coração): O homem já nasce com um coração tendencioso às coisas relacionadas a Deus e tudo o que diz respeito a ele. A dimensão religiosa central é representada pelo coração, a raiz central da existência humana que independe de experiência para se formar. Aprendemos através das Escrituras que o homem trás consigo o pecado desde o seu nascimento e, por isso, essa tendência infelizmente em relação às coisas de Deus não são nada boas.

O grupo social mais básico e responsável por formar nossa percepção da vida e do mundo é a família. A família tem sido afetada de fora por visões de mundo globais e regionais. A família também pode afetar a percepção de um indivíduo partindo de dentro.

É interessante observar a troca e compartilhamentos de experiências na vida do indivíduo que vem desde a educação passada pelos pais, a formação recebida pela igreja, escolas, cultura, leis e etc., é nesse processo de compartilhamento de informações que as percepções de famílias, grupos sociais vão se tornando cada vez maior até que se chegue a um nível nacional, configurando a identidade de um povo, e quando esses limites geográficos de um povo são ultrapassados temos aí o “espírito de uma época” um “zeitgeist” uma cosmovisão compartilhada a um nível macrocultural.

É preciso conhecer a origem e o desenvolvimento do “espírito de uma época” (zeigeist) e suas principais correntes de pensamento para que possamos fazer uma análise efetiva (biblicamente orientada) da realidade social na qual nos encontramos. No entanto, para se viver neste mundo da maneira crítica, discernindo a vontade de Deus, diante dos desafios sutis impostos pela mentalidade de nosso tempo, ao mesmo tempo sem desprezarmos os momentos de verdade presentes nas diversas manifestações culturais, é fundamental ter a Palavra de Deus habitando no coração (Fabiano de Almeida Oliveira).

O processo de compartilhamento de visão de mundo se origina em uma “estrutura de plausibilidade” (BERGER; LUCKMANN) validada e legitimada por um grupo minoritário até que se chegue a um estágio de processo de compartilhamento interativo que é a institucionalização de crenças, valores, visões de mundo, através da criação de projetos de lei, políticas concretas como programas econômicos e políticas públicas de saúde e educação. A institucionalização também pode acontecer através do estabelecimento de teorias científicas, filosóficas, tendências artísticas e culturais.        

O problema é que nossos desejos nos enganam porque eles parecem plausíveis. Quem não quer saúde, conforto financeiro, um cônjuge amável, bons filhos, sucesso no trabalho, pais bondosos, comida saborosa, uma vida sem congestionamentos de trânsito, e ter o controle das situações? Muitas vezes o objeto do desejo é mau: matar, roubar, traficar drogas, porém, muitas vezes o objeto do desejo é bom e o mal reside no senhorio deste objeto. Nosso desejo toma o lugar de Deus e determina o modo como viveremos. As bençãos recebidas por Deus começam dominar nosso coração e se tornam em ídolos. Estes ídolos por sua vez, serão compartilhados socialmente com argumentos plausíveis. A transição da idolatria pessoal para a vida social se dá muitas vezes através de um compartilhamento tácito de uma visão de mundo que rejeita a Deus em seu coração, porém, na superfície, parece ser algo que está em conformidade com a Palavra de Deus.

A idolatria socialmente compartilhada começa com a tendência da absolutização do próprio eu, ou seja, quando o eu é entronizado no coração. O coração do homem é fundamentalmente religioso, sua essência é ser para Deus. “Do coração procede as fontes da vida” (Pv 4:23). O próprio Deus fez o homem religioso por meio do senso da Divindade (Calvino). Sabemos que o pecado trouxe separação entre Deus e o homem, e todos são concebidos em pecado (Sl 51:5), e por isso tendem a ser rebeldes em relação a Deus e a sua Palavra, e tentam ver o mundo totalmente sem um Senhor para não o glorificar (Rm 1:21). É no coração do homem que o Espírito opera a regeneração e a santificação (2 Co 3:3), e é neste coração que se define a quem ele servirá, a Deus ou a um ídolo (2 Cr 16:7-9; Ez 14:1-7).

O ser humano foi criado na suma dependência de amar a Deus de forma absoluta e de confiar em sua Palavra de forma absoluta. Disso depende a sua plena realização. O homem tem colocado seu amor e confiança (fé) na criação (objetos de devoção), em lugar do Criador. Um ídolo é tudo aquilo que o homem ama e confia de maneira suprema, tornando a sua plena realização dependente dele (Tim Keller).  As pessoas de uma determinada sociedade passam a idolatrar não apenas um, mas uma série de ídolos representativos daqueles ideais mais valorizados em sua época, que são os ideais mais importantes para a consecução de sua realização pessoal, familiar e social. O homem tenta se realizar à parte do amor de Deus tentando suprir seu vazio depositando o seu amor e confiança no dinheiro, poder, beleza e etc., pois o ídolo maior (eu) é quem elege os ídolos menores construído pelo coração. “A imaginação do homem é, por assim dizer, uma perpétua fábrica de ídolos” (Calvino).

A visão de mundo do homem nesta época (hipermodernidade) questiona muitas coisas, pois para o homem hipermoderno o futuro do mundo é uma verdadeira incerteza. Neste período o homem busca realiza-se de forma imediata buscando aquilo que agrada seus desejos, prazeres e sentimentos.

Nossos anseios desviados são senhores ilegítimos mesmos quando o objeto do desejo for uma coisa boa, pois a “qualidade” do desejo usurpa a Deus. Bons princípios esvaziados do Senhor, “descristificados”, só podem servir ao ego (David Powlison). Os desejos idólatras sequestram a alma humana.

O pecado surge de dentro da pessoa, e não de circunstâncias externas ou dos problemas do passado. As rejeições passadas não criam o desejo de ser aceito pelas pessoas, assim como a rejeição atual não causa esse desejo. As ocasiões para a concupiscência da carne jamais serão a causa destas. As tentações e os sofrimentos desencadeiam vontades, mas não criam essas vontades.

O medo e o desejo são dois lados de uma mesma moeda. Se desejo dinheiro, tenho medo da pobreza. Se almejo ser aceito, fico aterrorizado com a rejeição. Se temer a dor e o sofrimento, anseio por conforto e prazer. Se anseio por ser superior, tenho medo de ser inferior aos outros.

Escute com cuidado qualquer pessoa que é dada a reclamações, e você observará a variedade de coisas que ela cobiça. Um tipo específico de cobiça aparecerá com mais frequência, e este será o seu “pecado raiz”. Desejos podem ser concupiscências da carne, mascarados como metas, expectativas e necessidades legítimas. O comportamento está intimamente ligado ao motivo, e o motivo, ao comportamento (Rm 13:14; Gl 5:16,17; Ef 2:2; 4:22; Tg 1:14-15; 4:1-3; 1Pe 1:14; 2Pe 1:4).

O fenômeno da globalização tem aproximado as mais diversas culturas e subculturas diferentes, levando o homem à valorização da diversidade e da diferença (MST; Movimento Gay; Movimento Indígena; Movimento Feminista; Movimento Negro) e à rejeição daquilo que é universal. A confiança colocada em ídolos sociais contribuem para a privatização da fé cristã. Vivemos em um tempo de pós-modernidade, onde cada cultura produz suas próprias verdades e seus próprios princípios e valores, a isto chamamos de Relativismo Cultural.

Somos tentados a pensar que nossa plena realização depende de sermos aquilo que a sociedade idealiza, ou termos coisas ou sentirmos determinadas sensações que a sociedade valoriza e tudo isso da maneira mais imediata possível. Por isso, devemos substituir determinadas ocasiões por momentos devocionais (oração e leitura da Palavra), educando nossos filhos nos princípios cristãos, pois a base social de uma cosmovisão cristã consistente está na educação efetiva passada de pais para os filhos (Dt 6:4-7).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O perigo da assimilação: Conformidade e isolamento – (Ester 2)

Em Ester capítulo 2 vemos dois personagens que viviam na cidade de Susã na Pérsia. O judeu Mordecai e sua sobrinha órfã Ester. O nome he...