segunda-feira, 23 de maio de 2022

A lebre e o falso mestre

Há um capítulo do clássico “O Peregrino” de John Bunyan chamado de “Os falsos mestres”. Enquanto Cristão e Fiel caminhavam juntos pela estrada, eles encontraram um homem chamado “Tagarela”. A princípio Fiel ficou muito contente com a companhia de Tagarela, pois ele era um homem de grande conhecimento e sabia falar muito bem sobre diversos assuntos como coisas terrenas e celestiais, sagradas ou profanas, morais ou evangélicas etc.

Enquanto Fiel se admirava das palavras de Tagarela, Cristão o alertou de que esse homem que ele estava admirado, já havia enganado muitas pessoas com a sua língua. Fiel ficou surpreso, pois ele parecia ser um homem muito distinto, e Cristão explicou que ele já o conhecia, mas, para aqueles que o conheciam de longe ele parecia ser um bom homem, mas, de perto, ele era bem desagradável, assim como um quadro de um pintor, que parece melhor de longe, mas quando se chega muito perto, não é possível compreender muito bem que foi pintado ali.

Essas pessoas são aquelas que “dizem e não fazem” (Mt 23:3), mas “o reino de Deus consiste não em palavras, mas em poder” (1Co 4:20). Elas sabem falar de oração, do pecado, de arrependimento, de fé, e até do novo nascimento, mas não passa disso, pois sua vida privada é incoerente com a sua vida pública, ou seja, elas não oram, e não há sinais de arrependimento do pecado em suas vidas, tanto que seu testemunho é desagradável em seu próprio lar e no trabalho. Estas pessoas, por mais eloquentes que sejam, “ruminam” o conhecimento e a Palavra de Deus, mas não se afastam do caminho dos pecadores, ou seja, elas são consideradas impuras por Deus, assim como a Lebre que possuía uma característica de um animal considerado puro na lei de Moisés, como o de ruminar, mas mesmo assim, ela ainda era considerada um animal impuro por não ter o casco fendido (Lv 11:3-8; Dt 14:6-8).

Embora o som de suas palavras seja como a língua ou a voz de um anjo (Gl 1:8), estes faladores são como “sino que ressoa”, “prato que retine” (1Co 13:1), são como “coisas inanimadas que produzem sons” (1Co 14:7), ou seja, eles não têm vida, não têm verdadeira fé na graça e no evangelho de Cristo. Estes clamam contra o pecado no púlpito, no entanto o abrigam muito bem no coração, em sua casa, e na sua conduta. O mesmo acontece com líderes políticos que clamam contra a corrupção em seu país, eles são como uma mãe grita com a filha no colo, chamando-a de atrevida e malcriada, para logo depois abraçá-la e beijá-la. Têm em seus lábios João 8:32, mas não tem pesar e vergonha do pecado e da corrupção. A obra da graça produz convicção não só do que é pecado pela lei, mas da própria natureza humana depravada pela qual será condenada se não encontrar a misericórdia de Deus pela fé em Cristo Jesus. Por isso há uma grande diferença entre pregar contra o pecado e detestar o pecado no coração.

Pode-se obter muito conhecimento dos mistérios do evangelho sem haver obra da graça no coração de uma pessoa, e sequer ser salva. “Vocês entenderam todas essas coisas? ” (Mt 13:51), “felizes serão se as praticarem” (Jo 13:17). O coração precisa de conhecimento, mas de um conhecimento que se funda na fé e graça de Cristo, pois sem a qual não passa de especulação. “Dá-me entendimento, e guardarei a tua lei; de todo o coração a cumprirei” (Sl 119:34).

"A dignidade da vocação reside na coerência entre a nossa vida pública e privada; entre a Palavra escrita e a Palavra pregada" (Wadislau Gomes). Se nosso testemunho não for verdadeiro, isto é, se nosso discurso privado ou público não for coerente, sua falsidade será óbvia.

Como podemos detectar falsas crenças? Devemos observar o modo como vivemos em público e em particular. Minha forma de viver sozinho ou em público é muito diferente? Eu tenho permitido que minhas imaginações se entreguem a fantasias pecaminosas? Se a reposta for afirmativa, eu posso estar trabalhando com uma teologia alternativa que diz que em alguns lugares Deus não é capaz de me ver. Posso ter uma boa consciência de meus atos, e ainda ter declarações teológicas ortodoxas e mesmo assim não ser orientado pelas verdades bíblicas em minha vida cotidiana. Posso ser um devoto do meu próprio nome, e justificar minhas transgressões, minha ira e meu juízo para com Deus, por não conseguir me livrar dos meus hábitos escravizadores (Ed Welch).

“Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva, e sim aquele a quem o Senhor louva” (2Co 10:18). Sua conduta desmente sua confissão de fé? Você é como a Lebre que possuía uma característica de um animal considerado puro na lei de Moisés, como o de ruminar (eloquência e conhecimento da Palavra de Deus), mas mesmo assim, é considerada um animal impuro por não ter o casco fendido (clama contra o pecado no púlpito, no entanto o abriga muito bem no coração, em sua casa, e na sua conduta)? “Então, preste um serviço à igreja por abandonar o pastorado” (Dave Harvey).

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